A Redenção de Cam, pintura de Modesto Brosco, premiada com a medalha de ouro no Salão Nacional de Belas Artes de 1895. Ela reflete a esperança das elites brasileiras num futuro branqueamento da população através da miscigenação. A avó negra agradece a Deus
As ideias pseudocientíficas predominantes na Europa na segunda metade do século XIX influenciaram fortemente a intelectualidade brasileira até a década de 1930. As ideologias racistas, transvestidas de ciência, serviram para justificar as restrições à cidadania da grande maioria do nosso povo, composta de pessoas não-brancas, e buscaram transformar aquilo que seria uma consequência nefasta do nosso processo de desenvolvimento histórico-social em coisa natural.
Naturalizavam assim a nossa miséria, jogando a culpa nas costas da natureza e do próprio povo, que seria composto por raças e sub-raças inferiores. A igualdade entre os homens, inclusive a formal, passou a ser considerada uma utopia – um sonho irrealizável.
Nina Rodrigues: o negro como marginal
O primeiro grande cientista brasileiro a incorporar as teses racistas modernas foi Nina Rodrigues (1862-1906). Ainda em 1888, ano da Abolição da escravatura, escreveu: “A igualdade é falsa, a igualdade só existe nas mãos dos juristas”. Poucos anos depois, em 1894, publicou um ensaio sobre a relação entre as raças humanas e o Código Penal, no qual defendeu a tese segundo a qual deveriam existir códigos penais diferentes para raças diferentes. No Brasil, por exemplo, o estatuto jurídico do negro devia ser o mesmo de uma criança. Essa teoria é particularmente nefasta, pois apareceu no momento em que os negros recém-libertados lutavam para ocupar um lugar na sociedade de classes como cidadãos portadores de plenos direitos.
Nina Rodrigues era professor de medicina legal na Bahia e foi um dos introdutores da antropologia criminal, da antropometria e da frenologia no país; ou seja, introduziu aqui o que existia de pior na Europa e Estados Unidos. Em 1899 publicou Mestiçagem, Degenerescência e Crime, procurando provar suas teses sobre a degenerescência e tendências ao crime dos negros e mestiços. Os demais títulos publicados também não deixam dúvidas sobre seus objetivos: “Antropologia patológica: os mestiços”, “Degenerescência física e mental entre os mestiços nas terras quentes”. Para ele, o negro e os mestiços se constituíam em chagas da nossa nacionalidade.
Sua grande obra foi Os Africanos no Brasil, coletânea de textos escritos entre 1890 e 1905 – publicada postumamente. Estes foram os primeiros grandes estudos sociológicos sobre a presença negra na cultura brasileira e, contraditoriamente, os mais importantes trabalhos baseados no chamado racismo científico publicados no final do século XIX e início do século XX
Segundo o renomado cientista baiano, a inferioridade do negro – e das raças não-brancas – seria “um fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas diversas divisões e seções”. No Brasil, os arianos deveriam cumprir a missão de não permitir que as massas de negros e mestiços pudessem interferir nos destinos do país. “A civilização ariana está representada no Brasil por uma fraca minoria da raça branca a quem ficou o encargo de defendê-la (…) (dos) atos antissociais das raças inferiores, sejam estes verdadeiros crimes no conceito dessas raças, sejam, ao contrário, manifestações do conflito, da luta pela existência entre a civilização superior da raça branca e os esboços de civilização das raças conquistadas ou submetidas”. Talvez, nunca antes alguém tenha defendido com tanta ênfase a repressão aberta e o controle social sobre as camadas populares, representadas pelas populações não-brancas. A grande ironia foi o fenótipo de Nina Rodriges não ter conseguido esconder sua descendência africana, portanto, sua condição de mestiço.
Oliveira Vianna: o racismo decadente
Oliveira Vianna (1883-1951) foi professor da faculdade de direito do Rio de Janeiro e, em 1920, iniciou a publicação do seu primeiro e mais importante trabalho Populações Meridionais do Brasil. Logo em seguida elaborou o ensaio de apresentação do censo oficial de 1920, Evolução do Povo Brasileiro. Estas duas obras o projetaram no cenário intelectual brasileiro. Após a Revolução de 1930 foi indicado para consultoria jurídica do Ministério do Trabalho e ajudou na elaboração da nova legislação sindical e trabalhista.
Ele foi o último grande expoente do racismo pseudocientífico brasileiro. No seu primeiro livro não deixou dúvidas sobre quais eram suas referências teóricas mais importantes: “o grande Ratzel” e “os gênios possantes e fecundos” dos Gobineau e Lapouge (ambos racistas). Vianna foi, essencialmente, um apologista das oligarquias rurais brasileiras, procurando reconstruir idealmente como teriam sido os primeiros colonizadores
Em Evolução do Povo Brasileiro lançou a tese de que os bandeirantes paulistas eram perfeitos arianos: altos, fortes, loiros e de olhos claros. Essas descrições sobre o passado das elites tradicionais brasileiras não passavam de puras fantasias reacionárias.
Oliveira Vianna, no entanto, não deixa de ser uma figura anacrônica. Foi o ideólogo do racismo, quando este já começava a ser questionado nos países capitalistas centrais e quando já se encaminhava para a publicação o livro Casa Grande & Senzala (1933) de Gilberto Freyre. Como afirmou Dante Moreira Leite, “a obra de Oliveira Vianna não resiste a qualquer crítica, por mais benevolente que o leitor procure ser”, pois ele “não tinha dotes de observador ou de teórico. O que nele parece teoria é imaginação gratuita, grosseira deformação dos fatos e teorias alheias”.
Já no início do século XX, alguns intelectuais lúcidos submeteram o racismo de nossas elites a uma crítica mordaz, entre eles Manuel Bomfim. O intelectual sergipano escreveu: “Tal teoria (racista) não passa de um sofisma abjeto do egoísmo humano, hipocritamente mascarado de ciência barata, e covardemente aplicado à exploração dos fracos pelos fortes”. Afirmações como estas explicam por que um pensador tão avançado tenha sido marginalizado pelas elites políticas e intelectuais da época, que desposavam teorias anticientíficas assentadas em preconceitos sociais e de classe.
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Fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2017/04/01/racismo-e-ciencia-no-brasil-pos-abolicao-1888-1930